STJ permite penhora de criptomoedas em exchanges na execução civil
Um dos ditados mais conhecidos no mundo das criptomoedas é “Se você não tem suas chaves, não tem seus Bitcoins”. Essa frase enfatiza a importância de ter controle sobre a chave privada para garantir a verdadeira posse das criptomoedas. E agora, essa questão ganhou um novo desdobramento.
Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível solicitar às corretoras de criptoativos (as famosas exchanges) que ajudem a encontrar e penhorar valores que pertencem a devedores, mesmo que esses valores estejam em Bitcoins. Essa decisão foi consolidada durante o julgamento do REsp 2.127.038/SP, o que abre um novo caminho para a efetividade da execução civil no crescente cenário da criptoeconomia.
O advogado Tiago Juvêncio, especialista em Direito Tributário, aponta que essa decisão é um avanço importante para esse ambiente. Ele comenta que a execução civil precisa acompanhar os tempos atuais. “Se há valor e possibilidade de penhora, isso deve ser considerado, desde que as ações sejam proporcionais e fundamentadas”, observa.
Base legal para penhorar criptomoedas
A fundamentação dessa decisão vem do artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC), que determina quais bens podem ser penhorados. Além disso, a Instrução Normativa RFB 1.888/2019 já exige que operações relacionadas a criptoativos sejam informadas à Receita Federal.
Por outro lado, um projeto de lei (PL 1.600/2022) está em tramitação no Congresso, que busca incluir os criptoativos no rol de bens penhoráveis do artigo 835 do CPC. O projeto também pretende regulamentar transferências para carteiras judiciais e restringir o acesso às chaves privadas.
Segundo Juvêncio, a decisão do STJ estabelece diretrizes claras para os advogados atuarem nesse cenário complexo:
- Escopo delimitado: Os ofícios devem ser restritos somente às exchanges que operam no Brasil, utilizando dados existentes nos processos.
- Segredo de justiça: As informações financeiras compartilhadas devem ser protegidas.
- Atuação em fases: Primeiro é necessário confirmar a titularidade dos ativos, bloquear em seguida e, por último, converter em moeda fiduciária ou transferir para uma custodiante judicial.
Porém, um dos desafios é a auto-custódia. Muitas vezes, o devedor mantém seus criptoativos em carteiras que não estão em exchanges. Nesses casos, é possível que ordens judiciais exijam a exibição ou transferência dos ativos, mas isso sempre precisa ser bem fundamentado.
Outro aspecto em evolução é a responsabilidade das plataformas. Recentemente, a Quarta Turma do STJ reconheceu a falha de uma exchange que levou ao desaparecimento de ativos, reforçando a obrigação dessas corretoras de garantir a segurança técnica dos ativos dos clientes.
Para Juvêncio, a decisão não visa “bancarizar” as criptomoedas, mas sim adaptar a execução civil a essa nova realidade econômica. Ele conclui que, com a Instrução Normativa e o projeto de lei em andamento, os operadores do direito têm agora um roteiro mais seguro para conduzir essas questões: “É essencial esgotar os canais tradicionais, direcionar pedidos às exchanges, proteger sigilos e estruturar as ações por fases”.